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28 de dezembro de 2015

Discurso de formatura

O seguinte discurso foi proferido por mim por ocasião da formatura das turmas de 3º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Marechal Floriano Peixoto, do município de Porto Alegre, da qual fui professor paraninfo da turma 231A. Cerimônia ocorrida na sede do Lindóia Tênis Clube, na cidade de Porto Alegre, em dezembro de 2015.



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Boa noite! Ainda não decidi se eu estar aqui é uma homenagem ou uma trollagem dos alunos, já que eu não sou exatamente conhecido por possuir uma excelente oratória. Mas tentarei fazer o melhor.

Quero de antemão agradecer aos meus colegas professores e funcionários, que compõem uma equipe excelente e apropriada ao desenvolvimento do trabalho pedagógico de todos nós. Obrigado à diretora Maria Beatriz, que termina uma etapa em sua vida e deixa uma história no Marechal. E parabenizo a diretora eleita Silvia Pujol, ao lado de quem esperamos continuar construindo um colégio sempre melhor.

Saúdo a todos que aqui estão para homenagear a conquista destes jovens e que vieram assistir à cerimônia que compõe o ritual de passagem deles. Destes que, por vezes, num lapso, nós, pais e professores, chamamos de crianças. Agora, formandos, vocês deixarão de ser nossos aluninhos e serão homens e mulheres.

Todas as civilizações têm rituais de passagem da infância para a idade adulta. Na tribo africana dos Massai, por exemplo, um menino só é considerado homem quando ele sai para caçar e abater um leão. Não vamos tão longe, porque, como dizem, para viver é preciso matar um leão por dia. Na tribo amazônica sateré-mawé é preciso vestir uma luva cheia de formigas tucandeiras, e suportar as picadas venenosas e doloridas por 10 minutos. Nas tribos Harmar, da Etiópia, é preciso saltar por cima de vacas em fila para chegar à fase adulta. Claro que nós também temos nossos ritos de passagem, não menos exóticos. Não nos tornamos adultos magicamente ao completar 18 anos. Dezoito é somente um número. Nos tornamos adultos ao adquirir responsabilidades sobre a vida e quando tomamos o controle do nosso destino. Vocês, queridos alunos, estão prestes a assumir uma das maiores responsabilidades da nossa civilização ao saírem da escola: terão que escolher uma carreira e batalhar por ela.

Ter uma carreira não é simplesmente ter um emprego. Muitos formandos aqui já trabalham e sabem a diferença. Carreira é uma escolha de vida. Na atualidade, aquilo no qual trabalhamos define parte do que nós somos. Quando conhecemos alguém, não perguntamos a essa pessoa a sua cor favorita ou o filme que ela mais gosta, perguntamos “no que você trabalha?”. Não estou dizendo que isso é certo ou errado, estou dizendo apenas o que é. A carreira é, portanto, um pedaço da nossa essência, da nossa identidade. Acho que lembrar disso não ajudará vocês a abrandar a ansiedade desse momento de escolha. Mas talvez os ajude a tomar uma decisão ou firmarem-se nela. Se estiverem indecisos, recomendo que ouçam o coração e pensem no legado que querem deixar. Afinal, que mais somos nós além de reverberações de memórias? Tentem pensar em fazer algo que valha para alguém, que seja útil para as pessoas, que tenha significado para vocês. Que atividade satisfatória será aquela na qual é possível ajudar a construir um caminho para o futuro, em que é possível salvar tantas almas e criar possibilidades para outras pessoas. Exemplos que a saudosa professora Iza nos deixou, da qual hoje restam tantas boas lembranças e a certeza da importância da passagem dela em muitas vidas.

O que quero dizer é: trabalhem naquilo que gostem. Não vou mentir que assim escaparão da frustração, do desânimo ou das dificuldades. Mas tampouco escaparão se escolherem daquilo que não gostam. Então que seja por escolha própria. Chamo a isso tomar o controle do destino, chamo a isso responsabilidade, chamo a isso crescer. Ninguém quer passar dificuldades, mas as dificuldades e os erros ensinam mais do que as facilidades e os acertos. Sou professor, eu sei disso. Novamente não vou mentir dizendo que todos conseguem. Poucos conseguem. Sabemos que nesse sistema o sol está para todos, mas o sol não é para todos. Lhes digo ainda que fracassar não é vergonha. Sempre é possível ter um fracasso melhor, ou um sucesso pior. O importante é tentar. Mas mesmo assim, talvez, durante o nosso percurso de vida nos transformemos e o que antes era importante deixou de ser. Ao invés de cabecear paredes, é sinal de sabedoria saber mudar, ser como a água e se adequar à realidade, tentar de outra forma, ou tentar outros modos. Definir prioridades, querer outras coisas. Só estudamos por um motivo: para entender a realidade melhor para então buscar ser feliz. Todas as fórmulas matemáticas, as construções de vocábulos, as composições químicas, os fatos históricos, os sistemas filosóficos, tudo isso só tem valor se nos ajudar a aprender de alguma forma como podemos ser melhores e mais felizes.

E não se deixem abater pelas dificuldades. O mundo é cruel e muitas pessoas irão desencorajá-los. Seguir adiante é uma prova de persistência e cada conquista será uma afronta às dificuldades. Cito a vocês um exemplo modesto e sem importância de um rapaz que gostava de estudar, para o qual todos diziam que ele deveria ser engenheiro ou ter algum cargo burocrático e escondido que o deixasse rico. Diziam que compartilhar o que aprende com tanto estudo não tem lá muito valor. Pessoas diziam e dizem a esse rapaz, tímido e gago, que ele não poderia ministrar aulas sobre aquilo pelo qual ele é apaixonado. Cada pequena conquista dele é uma afronta às dificuldades, uma superação e uma revalorização de si mesmo.

Por fim, mantenham-se famintos! O que eu mais gosto em ser professor de jovens é a fome deles. A fome que eles têm por conhecimento, por descobertas, por novidades. Somente quem não conhece os jovens diz que eles são apáticos. Todos os jovens são famintos. E permaneçam assim, famintos. Ensinar não é privilégio do professor, assim como aprender não é privilégio do aluno. Aprendi muito com cada um de vocês, sobre mim, sobre vocês e sobre o ser humano. Obrigado. Aprender algo novo, é para isso que eu acordo todos os dias, para saber mais, para compreender melhor, é para isso que eu faço o esforço de sair da cama todas as manhãs. Que esse seja o objetivo da vida de vocês também. Para que sejam pessoas melhores e para que possam buscar com maior lucidez o caminho que escolherem. Quero encontrá-los daqui a anos e lhes perguntar “e então, está buscando ser alguém melhor? Está tentando ser feliz?”. De nada valeu aprender sobre tantas coisas aqui na escola se passado então esse tempo não me responderem sim para essas perguntas. Mantenham-se sempre famintos. E obrigado por me fazerem lembrar tantas vezes da minha própria fome.

Professor Rômulo Ohweiler

2 de setembro de 2012

Irmandade das Três Concessões


"Eles eram três.
Um alto, um médio, um baixo.

Eles eram três, jovens como as plantas e capazes como heróis, trancafiados em suas casas a mando de seus pais;
Eles eram três, um sábio como um mago e alto como as árvores, fizera de tudo para proteger seus lobos na noite estrelada.
Eles eram três, um ligeiro como uma raposa e mutante como a lua, esse era cheiroso como um Cheetos. Perdido em tempos atrás para um Deus gritão e surdo.
Eles eram três, um “bruxo” nem tão sábio e baixo como os anões, em busca da magia ele partiu, mas apenas amigos ele encontrou, os quais mais preciosos que sua magia se tornaram.

Eles eram três.
O sábio, o mutante, o mago.

Aventura viveram quando se juntaram,
coisas de outrora que agora já passaram.
Dias felizes e dias tristes eles dividiram,
frio, fome e medo eles sentiram,
mas por isso eles passaram e sorriram,

os dias felizes predominaram,
a amizade fortaleceu,
mas sempre chega a hora,
de dizer o seu adeus.

E assim um foi.
Ele era cheiroso como um Cheetos,
as montanhas o aguardavam,
agora vive em um vale,
distante dos amigos.
Crente se tornou,
seu Deus surdo ficou,
mas ele é o mutante
e isso a gente entende.

E assim outro foi.
Sempre acompanhado,
de seus dois cães carniceiros,
um cão preto como a noite e bicha como a Paloma,
a outra velha como o mundo e rápida como uma lesma.
Agora em um lugar lotado vive,
longe também de seus amigos.
Buscou o conhecimento
e isso ele encontrou.

E assim um restou.
Belo como a noite enluarada,
punheteiro como o Alf na privada.
o mago que a magia não encontrou
sozinho agora ficou.

Essa era a Irmandade das Três Concessões.

Mas dentro do coração de cada um resta a lembrança dos dias que já passaram.
E assim, agora sozinhos, eles continuam seu caminho. Um em cada canto.
Eles são três.
Três amigos."

Edmundo Junior

5 de maio de 2011

Malone Morre

Malone vive. Mas Malone é um ser morrente. Velho, desgastado, destruído,
moribundo, estende sua vida por instantes mais em uma cama de onde não
consegue sair. Sua solidão é completa. Completa porque é total e
completa porque nada lhe falta. Pois Malone ainda tem vida. A vida que se
lhe esvai e que se lhe prolonga. Sim, prolonga, e é só. Só. Prolonga e
se alonga. Sua vida dura. É dura e ainda dura. Condenado pela (falta de)
saúde a uma cama, Malone rememora e cria. Para estender sua vida, já que
não há outro remédio, Malone inventa motivos, ações, histórias,
tarefas, pois sim, ele tem seus pequenos passatempos. Passa tempo. Suas
lembranças podem ser imaginação e suas criações podem ser memórias.
Ele não o sabe. O leitor sabe muito menos. Saber é impossível. Saber
qualquer coisa é impossível. Malone apenas conta histórias a si mesmo
para se distrair ou se fazer acreditar.

Malone confunde. A si mesmo e ao leitor. Sua vida e as vidas que ele
desenrola são trágicas. Mas cotidianamente trágicas. Em “Malone
Morre” a tragédia se naturaliza, se torna comum. A incerteza é
intrínseca, a decadência é normalizada, bem como a banalidade e a
incomunicabilidade. Dizer sempre, ainda que não valha a pena dizer ou que
não adiante dizer.

Malone é a tragédia humana, a incerteza humana, a confusão humana, a
finitude humana, a decadência humana, a ação em vão humana, a
inutilidade humana, o absurdo humano, a humanidade humana. Somos todos,
como Malone, viventes e morrentes. Nos quedamos finitamente para o fim e no
trajeto temos nossos pequenos passatempos destinados a ocupar o vazio
enquanto durar.
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"Não vou ficar me olhando morrer, isso estragaria tudo. Por acaso fiquei me olhando viver?"

"Tudo é divisível por si mesmo, eu suponho"

"É com o presente que eu tenho que acertar as contas se eu quero ser vingado"

"Nada é mais real que nada"

"Só vou voltar a esta carcaça para saber qual é a sua hora"

"O estado de coma é bom para os vivos"

"Viver. Falo sem saber o que quer dizer tal coisa. Tentei fazê-lo ignorando o que fazia"

"Talvez eu tenha vivido, sem saber"

"Ah, sim, tenho meus pequenos passatempos"

"Nascer, eis meu ideal no momento, isto é, viver o suficiente para saber o que é o gás carbônico livre, então agradecer e partir"

"Em volta é o fluxo dos fodidos da vida, comprando passagens, carregados de bagagens, eternamente ali onde não é preciso na hora em que não é preciso estar"

"Pra que serve isso ou aquilo, ou se sabe tudo ou não se sabe nada"

"(...) Viver é vagar sozinho no fundo de um instante sem limites onde a luz não varia e os destroços se parecem"

"Mas esta sensação de prolongamento é dura de resistir"

"Um mero fenômeno local é alguma coisa que eu nem notaria, tendo sido eu mesmo, na minha vida, apenas uma sucessão de fenômenos locais sem maiores consequências"

"O essencial se tornou tão mínimo que o fortuito parece sem limites"

"E se um dia eu me calar é porque não há mais nada a dizer, embora nada tenha sido dito"

"Não vamos por o carro na frente dos bois, vamos morrer primeiro, depois vamos ver como é que fica"

"Com certeza, nunca nada me será dado terminar, a não ser o ato de respirar"

"Pois as pessoas não se contentam apenas com sofrer, elas precisam de calor e de frio"

"Não se deve pedir demais da vida"

"Como a vida embota o gosto pelo protesto"

"O fato é que eles não sabem, eu também não sei, mas eles pensam que sabem"

"Acho que estou feliz, ele se dizia, mas é menos divertido do que eu pensava"

BECKETT, Samuel. Malone Morre, 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

5 de abril de 2011

Walden (ou a Vida nos Bosques)


"Dirige teu olhar para dentro de ti
E mil regiões encontrarás ali,
Ainda ignotas. Percorre tal via
E mestre serás em tua cosmografia"


Henry David Thoreau em 1845 decidiu se isolar à beira do Lago Walden, entre a mata, onde construiu com as próprias mãos uma cabana. Lá viveu por cerca de dois anos, alimentando-se às próprias custas com a comida que plantava e as atividades solitárias que desenvolvia, entre elas a observação da natureza, contemplação e o estudo do ambiente e de si mesmo. Em "Walden" escreveu as suas memórias dessa experiência. Seus escritos interiorizados, moralizantes, críticos, com uso de elementos da natureza como analogias é absolutamente mordaz e impactante.

Numa sociedade de crescente consumo e capitalização, Thoreau se destacou pela rebeldia em escolher não participar, evitar a mercadorização do indivíduo, praticar o afastamento da valorização através do dinheiro da existência. Thoreau profetizou a monetarização da sociedade e não quis contribuir com ela. Amava a Natureza e por extensão o homem que se molda por si, o homem naturalmente humano:

"Nunca é tarde demais para abandonar nossos preconceitos. Não se pode confiar às cegas em nenhuma maneira de pensar ou de agir, por mais antiga que seja. O que hoje todo mundo repete ou aceita em silêncio como verdade amanhã pode se revelar falso, mera bruma de opinião que alguns tomam como uma nuvem de chuva que fertilizaria seus campos"

"Eu também tinha tecido uma espécie de cesto de tessitura delicada, mas não tinha feito com que valesse a pena, para ninguém, comprá-lo. Mas nem por isso deixei de pensar que vali a pena tecê-los e, em vez de estudar como fazer com que valesse a pena para os outros comprar meus cestos, preferi estudar como evitar a necessidade de vendê-los"

"Onde vai parar essa divisão do trabalho? E no final das contas, a que objetivo serve? Claro que outra pessoa também pode pensar por mim; mas nem por isso é desejável que o faça e que eu deixe de pensar por mim mesmo"

"Há mil homens podando os ramos do mal para apenas um golpeando a raiz e talvez aquele que dedica mais tempo e mais dinheiro aos necessitados seja quem mais conttribui, com seu modo de vida, para gerar aquela miséria que inutilmente tenta aliviar"

"O homem que não acredita que cada dia encerra uma hora mais matutina, mais sagrada e mais radiosa do que a que já profanou, este desesperou da vida e desce por uma senda cada vez mais escura"

"Gosto de ficar sozinho. Nunca encontrei companhia mais companheira do que a solidão. Em geral estamos mais solitários quando saímos e convivemos com os homens do que quando ficamos em nossos aposentos"

"Só quando nos perdemos, em outras palavras, só quando perdemos o mundo, é que começamos a nos encontrar, entendemos onde estamos e compreendemos a infinita extensão de nossas relações"

"as virtudes de um homem superior são como o vento, as virtudes de um homem comum são como o capim; quando vento passa o capim se curva"

"Talvez os fatos mais assombrosos e mais reais nunca sejam comunicados de homem a homem. A verdadeira colheita de minha vida diária é inatingível e indescritível como as coreas da manhã ou do anoitecer. É um pouco de poeira das estrelas que eu apanho, um pedaço do arco-íris que eu colho"

"Tardamo-nos no inverno quando já é primavera"

"Ao mesmo tempo em que queremos aprender e explorar todas as coisas, esperamos que todas as coisas sejam misteriosas e inexploráveis, que a terra e o mar sejam infinitamente selvagens, imapeados e insondados porque insondáveis. Nunca nos cansaremos da Natureza"

"A impressão que tem um sábio é a da inocência universal"

"O universo é maior do que as visões que temos dele"

"Seja o Colombo de novos continentes e mundos inteiros dentro de si mesmo, abrindo novos canais, não de comércio, mas de pensamento"

"Existem aqueles que não tem respeito por si mesmos e são patriotas, e sacrificam o maior ao menor. Eles amam o solo de suas sepulturas, mas não têm qualquer afinidade com o espírito que ainda pode lhes animar o barro da existência"

"A superfície da terra é macia e se deixa imprimir pelos pés dos homens; o mesmo ocorre com os caminhos por onde viaja a mente. Como, então, devem ser gastas e empoeiradas as estradas do mundo e como são fundos os sulcos da tradição e da conformidade"

"Se você tiver construído castelos no ar, não será trabalho perdido; é ali mesmo que eles devem estar. Agora ponha-lhes os alicerces"

"O senso mais comum é o dos homens adormecidos, que o expressam roncando"

"Diga o que você tem a dizer, não o que deveria dizer. Qualquer verdade é melhor do que a simulação"

"Não se incomode muito em ter coisas novas, sejam roupas ou amizades. Torne-as do avesso; retorne a elas. As coisas não mudam, mudamos nós. Venda suas roupas, conserve seus pensamentos"

"Mais do que amor, mais do que dinheiro, mais do que a fama, deem-me a verdade"

"A luz que extingue nossos olhos é escuridão para nós. Só amanhece o dia para o qual estamos despertos. O dia não cessa de amanhecer. O sol é apenas a estrela da manhã"

"Quem não tem uma época de plantio do caráter como pode esperar uma colheita de pensamentos?"

THOREAU, Henry David. Walden. Trad: Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2010, 336 p.

30 de dezembro de 2010

A alma de "On the Road"

Excertos da obra de Jack Kerouac, "On the Road", editada pela Ediouro. Os dois trechos abaixo representam, pra mim, o essencial de On the Road, a inconsequência, egoísta e/ou ingênua, a inadequação, o desejo de transcendência através da explosão de vida, pura e simplesmente:

"Agora saca só esse pessoal aí na frente. Estão preocupados, contando os quilômetros, pensando em onde irão dormir essa noite, quanto dinheiro vão gastar na gasolina, se o tempo estará bom, de que maneira chegarão onde pretendem - e quando terminarem de pensar já terão chegado onde queriam, percebe? Mas parece que eles têm que se preocupar e trair suas horas, cada minuto e cada segundo, entregando-se a tarefas aparentemente urgentes, todas falsas; ou então a desejos caprichosos puramente angustiados e angustiantes, suas mentes jamais descansam, não encontram paz, a não ser que se agarrem a uma preocupação explícita e comprovada, e tendo encontrado uma, assumem expressões faciais adequadas, graves e circunspectas, e seguem em frente, e tudo isso não passa, você sabe, de pura infelicidade, e durante todo esse tempo a vida passa voando por eles e eles sabem disso, e isso também os preocupa, num círculo vicioso que não tem fim."

"Olhei pela janela. Lá estava ele, sozinho no limiar da porta, curtindo a efervescência da rua. Amarguras, recriminações, conselhos, tristeza - tudo lhe pesava nas costas enquanto à sua frente descortinava-se a alegria esfarrapada e extasiante de simplesmente ser."

21 de julho de 2008

Os Ombros Suportam o Mundo




Por vezes, como Atlas, me sinto suportar o mundo silencioso que não me concede nada a não ser ele mesmo e a oportunidade que tenho de existir e suportá-lo.

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade.
Antologia Poética. São Paulo: Record, 1993.

9 de junho de 2008

Sobre o homem. Com a palavra: um cão

Não gosto muito de postar produções de outras pessoas no meu blog. Mas essa eu achei tão legal, tão supimpa que dei uma chance...

É um trecho do livro "Névoa" de Miguel de Unamuno, em que o cachorro Orfeo disserta sobre o homem e a sua relação com sua espécie, os cachorros.

"(...) Que animal estranho é o homem!
(...)
Nós, os cães, uivávamos, mas para imitar o homem aprendemos a ladrar. E nem assim conseguimos nos entender com ele. Só os entendemos de fato quando ele uiva. Quando o homem uiva, ou grita, ou ameaça, nós o entendemos muito bem, nós, os outros animais. É como se nesses momentos não estivesse distraído em outro mundo qualquer!... Mas ele ladra à sua maneira, fala, e isso lhe serviu para inventar o que não existe, ao invés de ficar naquilo que existe. Quando põe nome em alguma coisa, já não vê essa coisa, mas apenas ouve o nome que lhe deu, ou o vê escrito em alguma parte. A língua lhe serve para mentir, inventar o que não existe e confundir-se. E tudo nele é pretexto para falar com os outros ou consigo mesmo. Chegou ao ponto de contagiar nós, os cães!
(...)
E querendo nos transformar em farsantes, em macacos e cães sábios! Chamam de cães inteligentes aqueles aos quais ensinam a reperesentar farsas, quando os vestem e os ensinam a andar indecorosamente sobre as patas traseiras, em pé! Cães inteligentes! É a isso que os homens chamam inteligência! Representar farsas e andar sobre dois pés! (...)"

UNAMUNO, Miguel de. Névoa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 184-185.

10 de setembro de 2007

Citações de Hamlet

Estava eu a ler a obra do genial Bardo inglês, quando me perguntei: qual seria a melhor maneira de guardar esse livro na memória? Resolvi arrancar algumas citações e prendê-las aqui para que não fujam:

”Sinto por dentro aquilo que vai muito além da aparência”

“Parte-te meu coração, pois devo ficar quieto”

“A ti mesmo sê fiel”

“A gota de mal na verdade muitas vezes apaga a nobre substância a ponto de ela própria ficar desgraçada”

“O mundo está desconjuntado”

“A breviedade é a alma do entendimento”

“A substância da ambição é apenas a sombra de um sonho”

“Abençoados sejam aqueles cujas paixões e cuja razão estão tão bem harmonizados que eles não
são uma flauta para os dedos da Fortuna tocar a nota que ela bem entende”

“O temor e o amor vão junto nas mulheres, ou nada são, ou são extremados”

“As resoluções são apenas escravas da memória”

“É inevitável que esqueçamos de pagar a nós mesmos a dívida que contraímos conosco mesmos”

“O que nós a nós mesmos nos propomos num momento de paixão, acabada a paixão, perde sua força”

“Existir ou não existir, essa é a questão”

“A imaginação trabalha com mais força nos corpos mais fracos”

“Na abundância desses tempos indulgentes, a virtude deve pedir desculpas ao vício”

“Basta que um animal seja senhor de muitos outros animais e é certo que será convidado para a mesa do rei”

“Para conhecer bem um homem, é preciso que conheçamos a nós mesmos”

“Quando examinadas a fundo, as bolhas são sopradas e arrebentam”

“…O resto é silêncio”