25 de março de 2010

Retorno


A alvorada me chama preguiçoso para o mundo. Inicia o perene combate. Morte ou vida. A escolher. Ou ambas. Ou nenhuma.

Vejo as cores, mas não enxergo as formas. Mas o Sol me dá forças: do ódio ou do desprezo. E assim blasfemo contra Deus, vilipendio a raça humana, não me eximo, não me poupo, chuto mendigos, debocho dos humildes, arremesso troféus nos narizes dos poderosos, gargalho dos vãos esforços dos sonhadores, firo com sarcasmos inflamados, roubos dos ricos, e também dos pobres, devoro o amor às bocadas apenas para despejá-lo na pia, destruo o mundo para reconstruí-lo com areia na beira da praia que a maré carrega. Ilusões.

Minto, roubo, mato, cobiço, invejo, bato, torturo, deturpo, profano, ironizo, descreio, ojerizo, ignoro, xingo, guerreio, vitupero, odeio, desprezo. Nada disso. Me consagro à indignidade e ao mal para ser superior à podridão que reina em campos de lavanda. Muito do que quis não fiz. Muito do que fiz não quis.

Mas a noite chega, sempre chega, e o meu corpo esfria. A cabeça que vagava em velocidade vertiginosa cessa a inquietação do espírito e o logos atinge a linearidade morna do vulgar, decai das alturas celestes e emerge dos pélagos abissais, pairando à meia tona. Terrestre. Comum. Pneuma não é mais que sopro. Partilho, desde então, da banalidade de todos os seres e, como eles, me sinto só. Só num mar de miríades de igualdade. Espero por algo que não sei, ou que sei mas não ouso confessar. Sinto falta do calor do dia e de uma outra voz em meu ouvido.

Até a próxima alvorada. Que me chama preguiçoso para o mundo. Inicia o perene combate. Morte ou vida. A escolher. Ou ambas. Ou nenhuma.