13 de setembro de 2007

Colóquio com a Morte

Humano existiu por um tempo, mas não um tempo suficiente, pois o Tempo nunca é o bastante para o Humano. Mesmo assim, a Morte lhe veio:

- É chegado o teu momento, Humano.
- Quem é você, criatura abominável? E de que momento está falando?
- Eu sou a Morte. Sou abominável a teus olhos porque a tua própria vida te foi abominável. Sou o reflexo da Vida.
- Então veio para me tirar a Vida?
- Sim.
- Como poderá tirar o que nunca tive?
- Se não teve, foi porque não quis.
- Como poderia querer algo que nunca conheci?
- Não conheceu porque foi cego. Então não a viu durante todas as manhãs? Todo o tempo desde que nasceu?
- Não a distinguia. E como poderia? Não é ela algo volúvel e indefinível? Por que ela nunca veio a mim dizer “olá Humano, eu sou a Vida”?
- Não posso explicar os motivos da Vida.
- Então quem pode?
- Você, Humano. Somente você pode.
- Passei o Tempo procurando a Vida e só encontrei a Morte?
- Sinto muito. Talvez, se tivesse procurado a mim, tivesse encontrado com ela.

Humano se afundou em seu último momento de melancolia. A Morte preparou a arma, quando foi interrompida:

- Espera! O que é que vem depois de ti?
- Logo você saberá.

E o Humano morreu sorrindo. Finalmente saberia alguma coisa. Teria uma certeza. Assim a Morte o prometeu.

- Ou não. – lamentou a Morte.

10 de setembro de 2007

Migração

Retornei a usar esse blog aqui. Por isso tantas postagens hoje.

Mas porque ainda continuo a ter blogs se não sou lido? Ao escrever, o escritor não quer ser lido? Talvez. Mas talvez eu esteja aqui escrevendo isso apenas porque gosto de escrever, mesmo que não seja lido. É, na verdade, quase uma maneira de falar sozinho. E isso é bom, eu me acho uma excelente companhia a a mim mesmo...

Continuarei aqui escrevendo. Porque pelo menos esse é um lugar onde posso guardar meus escritos sem encher gavetas, espaço físico é um negócio raro hoje, quase um luxo. Ademais tem as traças, os incêndios, as faxinas: o papel é tão frágil...

Diário do Eloqüente (10/09/07)

Loquaz diário, hoje tive uma exaustiva conversa na padaria:

- Bom dia, posso ajudá-lo?
- Pode.
- …
- …
- O que vai querer?
- 4 pãezinhos.
- Mais alguma coisa?
- Sim.
- O quê?
- Presunto e queijo.
- Quanto?
- 100 gramas.
- De cada?
- Isso.
- Obrigada, tenha um bom dia.
- Aham.

Conversa demais por um dia.

A voz do buraco

Tenho a tendência de entrar em “buracos” emocionais. Buracos não são profundos como poços, então, mesmo que eu chegue ao fundo do buraco, isso não será tão longe quanto o “fundo do poço”.

E nem precisa ser uma armadilha com gravetos e folhas ocultando o buraco. Eu mesmo, quando vejo um buraco dando sopa, não perco meu tempo e me arremesso logo pra dentro. Daí eu fico lá, curto o visual e tal… Até ver aquela luz sedutora e salvadora lá em cima; cavo uma escada e saio. Sozinho, sempre sozinho, é assim que deve ser: entrar e sair do buraco sozinho, sem ajuda e sem que ninguém (ou mínimo de pessoas possível) veja.

A paisagem mais estúpida e vulgar se torna maravilhosa aos olhos depois que se sai das trevas de um buraco. Talvez por isso eu goste tanto de buracos, a visão sempre se renova.

Algumas pessoas são capazes de produzir grandes obras quando dentro de um buraco, verdadeiros monumentos à tristeza e ao desespero. Outras cometem seus piores erros quando estão emburacadas. Acho que pertenço ao segundo grupo…

É humilhante para eu admitir esse meu lado depressivo, egoísta, procrastinador e auto-destrutivo. Mas faz parte de mim. Negar ou ignorar seria hipocrisia, não gosto de mentir, principalmente a mim mesmo. Portanto, confesso-me integralmente melancólico.

E essa foi mais uma declaração em que minha voz saiu do buraco. Para leituras mais agradáveis, aguarde minha saída.

A caminho do fim

O tempo avança. Transcorre inestancável da Existência. Sem início, sem meio, sem fim. Tudo e nada. Passo incólume pelo eterno prosseguir temporal. Ainda sou, ainda estou: permaneço.

Acordo. As ilusões se desvanescem, os sonhos findam. O tempo me dilacera, me esmaga, me atravessa. Envelheço. Mudo, transfiguro, transformo: metamorfose.

O que há de vir é obscuro, incerto, impossível. O presente é nebuloso, a visão barra na névoa da ignorância. Meu passado é esquadrinhado, avaliado, medido, pesado.

Quando partir, o que legarei além de lembranças vãs e lixo?

A teimosia dos porquês

Por que existo? (se existo) Por que viver? Ou qual o sentido da vida? Por que isso? Por que aquilo?...

Há pensamentos que percorrem minha cabeça, carregadas de perguntas cujas respostas o ser humano nunca será de criar definitivamente. Todas cheias de porquês. Porquês de início primordial e de finalidade última. Porquês de compreensão, de definição, de ordenação, enfim, porquês pra todos os gostos.

Por que existem porquês que não se podem encontrar respostas? Porque aí está a prova da inteligência infinita de Deus, poderiam objetar alguns crentes (ah, como invejo vossa fé). Somente o Seu intelecto, imensuravelmente superior ao humano, seria capaz de compreender tudo. Mas a existência ou não de Deus também não é uma enigmática além da percepção e do saber humano? Aí está, aliás, uma questão a qual deixei de me fazer; cheguei a uma conclusão, não muito satisfatória, mas uma conclusão: não sei.

Então por que ainda insisto em me inquirir perguntas que não responderei? Como certas doenças que permanecem no corpo e sempre manifestam seus efeitos quando a resistência está baixa, assim os teimosos porquês afligem quando a resistência mental está baixa. O ócio é talvez o grande responsável pela queda da resistência mental. Mas não somente o ócio profissional, mas social, intelectual e afetivo.

“Cabeça vazia é oficina do Diabo” é o que diz o ditado popular. Sem querer entrar na espinhosa questão envolvendo o Diabo..., o ócio não seria benéfico? Sim, ele (o ócio) produz naturalmente inquietações, que produzem perguntas. E perguntas recheadas de porquês. “Conhecimento se produz com perguntas” foi mais ou menos o que disse alguém que não me lembrarei. Portanto, apesar de angustiante, o ócio tem seus méritos afinal.

Mas aqui estou eu a divagar desnorteadamente, fugindo ao assunto inicial. E por que o texto deve se restringir ao assunto do título? Porque assim mandam as regras do bom português. Que se fodam as regras do bom português! Esse texto acaba aqui.

Citações de Hamlet

Estava eu a ler a obra do genial Bardo inglês, quando me perguntei: qual seria a melhor maneira de guardar esse livro na memória? Resolvi arrancar algumas citações e prendê-las aqui para que não fujam:

”Sinto por dentro aquilo que vai muito além da aparência”

“Parte-te meu coração, pois devo ficar quieto”

“A ti mesmo sê fiel”

“A gota de mal na verdade muitas vezes apaga a nobre substância a ponto de ela própria ficar desgraçada”

“O mundo está desconjuntado”

“A breviedade é a alma do entendimento”

“A substância da ambição é apenas a sombra de um sonho”

“Abençoados sejam aqueles cujas paixões e cuja razão estão tão bem harmonizados que eles não
são uma flauta para os dedos da Fortuna tocar a nota que ela bem entende”

“O temor e o amor vão junto nas mulheres, ou nada são, ou são extremados”

“As resoluções são apenas escravas da memória”

“É inevitável que esqueçamos de pagar a nós mesmos a dívida que contraímos conosco mesmos”

“O que nós a nós mesmos nos propomos num momento de paixão, acabada a paixão, perde sua força”

“Existir ou não existir, essa é a questão”

“A imaginação trabalha com mais força nos corpos mais fracos”

“Na abundância desses tempos indulgentes, a virtude deve pedir desculpas ao vício”

“Basta que um animal seja senhor de muitos outros animais e é certo que será convidado para a mesa do rei”

“Para conhecer bem um homem, é preciso que conheçamos a nós mesmos”

“Quando examinadas a fundo, as bolhas são sopradas e arrebentam”

“…O resto é silêncio”

Desigualdade

Um come ambrosia. O outro come lixo.
Um voa no avião. O outro caminha descalço.
Um assiste ao teatro. O outro olha pro céu.
Um passa o cartão. O outro conta as moedas.
Um bebe hidromel. O outro bebe esgoto.
Um presenteia no Natal. O outro ouve o choro.
Um mora no palácio. O outro mora no barraco.
Um é servido. O outro é servil.
Um ouve música. O outro ouve tiros.
Um tem stress. O outro tem fome.
Um é doutor. O outro é analfabeto.
Um viaja o mundo. O outro não vai à esquina.
Um é protegido. O outro é desamparado.
Um recebe honras fúnebres. O outro é jogado na vala.
Um tem muitas casas. O outro nenhuma.
Um faz regime. O outro também.
Um veste a moda. O outro veste trapos.
Um guarda dinheiro. O outro nunca o tem.
Um tem pesadelos. O outro não sonha.
Um ignora. O outro é ignorado.
Um não tem tempo. O outro não tem nada.
Um é imune à lei. O outro é sempre culpado.
Um foge da morte. O outro a aguarda.

O Mundo Através da Janela

Da minha janela eu vejo o mundo correr
Vejo a guerra sem fim exterminar a humanidade
Vejo a miséria castigar o ser humano
Vejo a ganância explorar a desigualdade
Vejo uma ideologia dominar o pensamento
Vejo a ignorância perpetuar a intolerância
Vejo o egoísmo esquecer do futuro
Vejo a indolência desprezar a mudança

Da minha janela eu vejo o mundo correr
Terei motivos para sorrir antes do fim?

Da minha janela eu vejo o mundo
Vejo a coragem enfrentar o medo
Vejo a solidariedade auxiliar na necessidade
Vejo fé fortalecer o espírito
Vejo a inteligência resistir á manipulação
Vejo o povo pedir paz
Vejo uma vida nascer a cada segundo
Vejo a esperança projetar um futuro melhor

Da minha janela eu vejo o mundo
Terei motivos para sorrir antes do fim.