21 de julho de 2008

Macacos amestrados

Sou um macaco. Um macaco especial, como todos os macacos. Sou um macaco amestrado. Desde a mais tenra idade fui ensinado a fazer truques. Truques muito legais, tenho que admitir, como: falar, ouvir, ver, assistir TV, ler, ir à escola, ir à igreja, idolatrar outros macacos, viver em sociedade, trabalhar, comprar, entre outros truques igualmente impressionantes. Fui treinado para aceitar que tudo isto é natural, inerente à minha condição de macaco. Fui treinado, enfim, para sequer desconfiar que fui treinado.

A televisão, por exemplo, é uma das melhores coisas já criadas para macacos. Não sei como sobrevivi sem ela antes dos meus dois anos de vida. E as compras então! Fui treinado para ser feliz somente quando passo os pequenos pedaços de papel colorido a outro macaco. Todas as agruras de macaco são compensadas nessa hora. Não importa no que eu gaste o dinheiro: sapatos, roupas, carros, cinema, concertos, livros ou sexo. O fato é que só sou feliz consumindo.

Como pode ver, não é muito difícil fazer um macaco amestrado feliz. Basta dar a ele algo em que acreditar, uma ordem para que ele execute, e um dinheiro para que ele gaste. Ser um macaco amestrado não é pedir muito.

Tem um lado bom e um ruim em ser um macaco amestrado. O lado bom é que eu compartilho o meu treinamento com todos os outros macacos. Somos todos eficientes macaquinhos cumpridores de ordens. O lado ruim é que nenhum macaco amestrado acredita que é amestrado. Todos os macacos crêem firmemente que são originais e livres. Talvez o lado ruim seja o lado bom e vice-versa porém...

E eu? Eu também? É, eu também, claro. Eu sei que sou amestrado, mas ao contrário da maioria, eu admito que sou. Um certo macaquinho francês, Jean-Paul Sartre, escreveu uma vez: "não importa o que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós". Tem um grande otimismo, essa frase, apesar de tudo. Mas todo o treinamento que eu der a mim mesmo vai estar baseado no treinamento que eu tive anteriormente, o que vem a dar quase na mesma.

Mas então será mesmo que existe um grande sistema de amestragem de macacos? Um Grande Irmão Macaco? George Orwell era um macaco sábio, ou assim se diz. Na minha humilde e amestrada opinião de macaco, não poderia existir um sistema assim. Por dois motivos:

1) Não acredito em teorias da conspiração. Isso é coisa de socialista ingênuo e de capitalista paranóico. E não gosto de nenhuma dessas espécies de debilóides.

2) Um sistema do tipo teria de ser planejado por macacos. E sugerir isso, seria superestimar as capacidades deles.

Os macacos simplesmente adestram a si mesmos. Se nos damos conta disso ou não, não faz a menor diferença. Nós macacos sentimo-nos melhor quando amestrados. Mas vai saber, sou só um macaco amestrado, com comportamento e pensamentos amestrados.

O fato é que sou o bom moço foucaltiano. O bom macaco. O macaco amestrado. E sei dançar. Todos os macacos sabem dançar. Macacos gostam de dançar. Dancem macacos, dancem.

Dancem Macacos, Dancem.

Cadê?

Busca. Caminho. Um destino que aguarda os meus passos. Mas cadê as oportunidades que se oferecem aos jovens? Cadê o amor de que falam os poetas que não li? Cadê a igualdade que consta nas leis? Cadê o esconderijo onde se oculta o futuro?

Vida calcada nas esperanças postas no devir e no definir. Caprichos de nebulosos de um nefelibata induzido. Não pude evitar ser enganado pelo mundo. E cair das nuvens não é fácil nem agradável. Pior é passar do chão e mesmo de lá ainda ter a coragem de sonhar.

O que posso fazer além de aceitar a rota de um povo que renego dum tempo que não quero?

O que fazer além de continuar a busca? Prosseguir previamente o mesmo percurso traçado para mim, mas não por mim. Cadê a originalidade? Está nos pequenos desvios rebeldes, nas pequenas paradas reflexivas, mas principalmente na consciência lúcida e na desesperança.

Cadê o sentido? Cadê a vida? Cadê eu? Cadê tudo? E cadê nada?

Os Ombros Suportam o Mundo




Por vezes, como Atlas, me sinto suportar o mundo silencioso que não me concede nada a não ser ele mesmo e a oportunidade que tenho de existir e suportá-lo.

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Carlos Drummond de Andrade.
Antologia Poética. São Paulo: Record, 1993.

16 de julho de 2008

Quero ser mendigo


Todas as criancinhas e jovens da nação querem ser médicos, advogados, engenheiros, empresários ou celebridades. Mas nenhum deles quer ser mendigo, indigente ou sem-teto. Opa, eu quero! Mamãe, quero ser mendigo.

Quero ser o salmão que nada contra a corrente e que sobe o rio. Na contra-corrente do que todos querem, sou do contra, sou à margem.

O mendigo é o excluído. Excluído do lucro, da compra, da venda, da produção, da circulação do capital enfim. O mendigo é o indivíduo colocado a parte do funcionamento da sociedade. A peça desnecessária nas engrenagens da grande máquina da humanidade é o mendigo.

Mas não é isso. O mendigo faz parte da sociedade, é o aborto dela, o rejeitado, o lixo social. O mendigo está ali para servir como exemplo de fracasso e como comparativo de riqueza e poder. Afinal, o que pode acontecer de pior a alguém do que ser um mendigo? Mendigar é o fim social, a não-produção. É o chão do qual ninguém pode passar. É o que há de inferior e comparar-se a ele é elevar a si mesmo.

E é por isso que o mendigo é livre e é um rebelde. A sua liberdade é alcançada pelo desprezo e pela exclusão. Ele é o homem sem futuro. Seu único destino é a miséria. Ele renega e está livre dos objetivos, diretrizes e moralidades burguesas. Não é nem pró nem contra o capitalismo. Não é alinhado a nenhuma ideologia que não a sua. O mendigo não é nada, não deseja nada, não pode querer ser nada. E por isso tem a liberdade mais profunda que um homem finito poderia almejar. Porque ser livre é cair no vazio.

E que é comer da caridade? Isso não agrilhoa o mendigo. Apenas o vinga.

Quero ser mendigo. Quero a liberdade de não ter mais nada a perder.

3 de julho de 2008

O Poeta Pobre


Óleo sobre lona entitulado "O Poeta Pobre" (Der arme Poet), do pintor e poeta romântico alemão Carl Spitzweg (1808-1885).

Por algum motivo essa pintura me marcou profundamente. É linda realmente, mas não foi só pela beleza estética que me chamou a atenção. A pintura mostra a decadência de um artista, ou a decadência, a privação, a frugalidade, as dificuldades financeiras que acompanham o artista. Um artista sem oportunidades é um artista fracassado, um poeta pobre.

Bem, não sou poeta. Não tenho talento pra isso. Mas procuro uma carreira semelhante, no ramo acadêmico. E ao ver essa pintura veio à tona todos os meus medos de não ser economicamente bem sucedido na profissão que escolhi. Serei um dia como o poeta pobre de Spitzweg? Se serei, que seja! O serei com satisfação. Satisfação de pelo menos ser um poeta. E há até certa magia em ser mendigo e poeta...

Sobre Spitzweg: pt.wikipedia.org/wiki/Carl_Spitzweg

Galeria com 185 obras de Spitzweg: www.carl-spitzweg.de/galerie.htm