14 de junho de 2009

Encontro

Aconteceu quando eu caminhava perdido pelas ruas vazias de uma tarde de sábado melancolicamente ensolarada.

Mãos nos bolsos, passo lento, as costas curvadas em direção ao chão e o olhar divagando sem ver o horizonte de pedra e metal. Na direção contrária da calçada, de passagem, casualmente, um rapaz vinha ao meu encontro. Um olhar rápido, casual, e o reconhecimento. A mesma angústia no rosto, o mesmo desespero, o mesmo pedido estampado: ajuda. Quem iria pedir socorro ao outro primeiro?

Tudo o que pensei a seguir me passou como um raio pelo cérebro. Éramos iguais, sem dúvida. Dois angustiados. Mas olhando bem para ele percebi que o desespero dele não era o mesmo que o meu. Como poderia haver angústia no mundo que não a minha? Mas havia. E ela estava bem na minha frente, uma angústia mundana. Mais ou menos legítima que a minha? Não sei, e não importa saber. O que importa é que não eram angústias iguais e, portanto, ele não podia me ajudar. Eu continuaria sem respostas. Percebi então que todas as angústias que não fossem as minhas seriam diferentes das minhas. Se não existem angústias iguais, não faz sentido buscar auxílio em outras angústias. Ninguém poderia me ajudar. Nem mesmo outro angustiado. Nem mesmo aquele rapaz diante de mim.

Ante o meu atônito silêncio, foi ele quem pediu ajuda para resolver a sua própria angústia. Falou que precisava voltar a Porto Alegre, onde morava, e que estava faltando um dinheiro para a passagem. Quis me vender uma jaqueta tão suja e rota quanto o restante da roupa que vestia e tão maltratada quanto a expressão facial que ostentava.

- Não – respondi.

- Faltam só três reais para completar. Eu to precisando – ele insistiu.

- Não.

- Pode ser alguma moeda também...

- Não.

- Ta bom, valeu...

Ele foi embora. E não abordou mais ninguém na rua, nem antes nem depois de mim. Por quê? Por que pareço mais rico ou mais bondoso? Não. Porque ele também me reconheceu como igual. Ao cruzarmos os olhares, percebemos o desespero no outro e nos comovemos mutuamente por reconhecimento. Mas ele não podia me ajudar e eu não quis ajuda-lo.

Não porque eu pensei que era balela dele essa história de passagem e ele estava precisando do dinheiro era para comprar um baseado. Se fosse isso, seria um desespero genuíno ainda, tão justificável quanto o outro, e talvez ainda mais premente. Eu teria ajudado. Também não era o motivo de não ajudá-lo por medo de assalto, medo que quando eu sacasse a carteira para pegar as tais moedas ele agisse. Não foi por isso. Ao contrário, amortecido como eu estava, acho que mesmo ansiava por um motivo para ser violento. Eu bem que podia ajuda-lo, mas não quis. Preferi a crueldade e a vingança. Ele não podia me ajudar. É isso aí seu merda, foda-se. Experimente um pouco da angústia solitária e sem esperança de resolução.

Mas como acabar com a minha angústia e o meu desespero então? Como agir ante o silêncio do mundo, o sem motivo da vida e a incerteza de tudo? Como responder aos porquês? E pior, sabendo que não existe socorro. Sem ferrolho, sem arrego. Não dá, a angústia é só minha e nunca acaba. Não posso supera-la nunca. O que posso é romper com a lógica da angústia-desespero, usando a angústia como ferramenta, como instrumento de testes do possível.

Preciso aceitar a angústia e usa-la em confronto com ela mesma. Continuar, enfrentar, não saber, angustiar. Sem desespero.

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Esse fato ocorreu no inverno de 2008, mesma data em que este texto foi escrito. Guardado em uma gaveta por quase um ano, finalmente o prendo aqui.

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