14 de junho de 2009

Aurora de Róseos Dedos

Meia madrugada. Acordo. Banheiro e gole d’água. De repente, sou atacado por uma súbita angústia, meu espírito recorda as feridas sofridas durante o dia. A insônia estava instalada. Depois de me debater inutilmente na cama, com a certeza de não mais dormir, levanto, me visto e vou dar um passeio a pé no bairro. Eram 5:30 da manhã.

O céu a essa hora parece mais iluminado do que à noite, como se fosse o último e mais intenso brilho antes do fim. Vênus brilhava quase tanto quanto a lua, enquanto nas ruas, imperava a escuridão e o silêncio. Vez ou outra um carro solitário ganhava o asfalto lentamente, envergonhado de estar na rua a tal hora de domingo. Somente os gatos terminavam sua ronda e começavam a voltar para o conforto de seus lares.

A temperatura estava por volta dos 8ºC, minhas orelhas doíam e meu nariz congelava e impedia de sentir qualquer cheiro que não fosse o da fumaça dos primeiros fogões à lenha que começavam a ser acesos.

Ouvi os sinos das igrejas badalarem às 6 da manhã.

Após uma hora vagando pelas ruas desertas, subi até a parte alta do bairro para tentar ver nascer o sol. Esperei lá parado, em pé, à maneira daquelas estátuas grandiosas feitas por generais e ditadores, tão alheias à realidade daquele que serviu de modelo.

Abaixo, uma miríade de luzes tão grande quanto a que havia acima de mim. Mas nem de longe tão fascinante. As luzes dos postes, das casas, dos veículos e dos outdoores preenchiam a paisagem no breu.

Os sons iniciavam a destruir a quietude: escapamentos de ônibus, uma música techno vinda não sei de onde ecoava ainda no vale e uma salva de fogos de artifício estourou por motivo ignorado. Então o galo e mais tarde os cães e os pássaros anunciaram com seus berros o novo dia que chegava.

Vi pouco a pouco o negro do céu dar lugar a uma gradação de cores até chegar ao vermelho-rosado das primeiras luzes solares que alcançavam esta parte do mundo. Foi impossível não lembrar de Homero e do epíteto mais poético repetido por ele: Aurora de Róseos Dedos.

Talvez a melhor e mais verdadeira forma de conhecer o mundo não seja mesmo através dos sentidos, mas esta é com certeza a mais bela e agradável de todas. Gradativamente, pedaço a pedaço, fui reunindo as deste grande mosaico até que ele explodisse em imagens e sensações amalgamadas. Tive a sensação de que vivia. Sabemos que estamos vivos, respiramos, falamos, nos tocamos e nos movemos. Mas quando tomamos consciência disso? Consciência profunda do que é viver e o que isso representa. Naquele instante eu senti o sol nascer, diferente de todas as manhãs quando vejo a mesma cena para ir trabalhar. Eu o esperei, o contemplei, o senti, tive a consciência dele. Isso faz toda a diferença. Senti que havia um sol nascendo, senti o frio, ouvi os sons e vi as luzes, senti que estava vivo. Naquele momento eu vivi mais.

Percebi de repente que estava cantando e tentando ensaiar passos de sapateado no meio-fio. Me senti ridículo. Estava feliz.

Um comentário:

Anônimo disse...

Homero não gostaria que o título deste texto aparecesse sem aspas.